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#7 - Palavra de Honra
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Resumo dessa edição:
Estou FILOSÓFICA essa semana então as minhas recomendações são indiretas, em um texto gigante sobre narrativas queer e honra;
Um breve comentário sobre escrita e ter que cortar cenas/personagens/etc;
O bom e velho resumo da quinzena.
Palavra de Honra
Um Cavaleiro Verde
Esse fim de semana assisti The Green Knight (dir. David Lowery), o novo filme de fantasia e arturiana estrelado pelo Dev Patel que estava ansiosa pra ver. Eu amo arturiana num geral, e embora não seja muito familiarizada com as histórias dos outros cavaleiros da Távola Redonda, a simples ideia de um filme de fantasia, com cores, inspirada pelo conjunto de lendas que compõem a história do Rei Arthur me deixou muito animada. O fator Dev Patel também contribuiu para minha empolgação: o simbolismo de ter um ator indiano representando um dos cavaleiros da lenda mais importante para a construção de identidade nacional dos britânicos era algo incrível e, além disso, o Dev Patel é tão bonito que deveria ser ilegal.
Para quem não sabe do que se trata a história, um resumo: um belo dia, um cavaleiro verde chega no meio da ceia de Natal na corte de Arthur, propondo um jogo – ele permite que um daqueles ilustres e honrados homens o golpeie como quiserem, sem reagir, mas um ano e um dia depois, eles devem permitir que o cavaleiro verde faça o mesmo, da mesma forma. Gawain se voluntaria para tal e, se achando o espertalhão, decapita o cavaleiro, que não morre, só bota a própria cabeça embaixo do braço e vai embora, lembrando da promessa que foi feita. Um ano e um mês passam muito rápido – como o filme mesmo diz – e Gawain precisa ir atrás do cavaleiro verde para cumprir sua promessa, já que ele é um homem honrado e de palavra, e no meio do caminho Coisas Loucas Acontecem, enquanto ele precisa lidar com o medo de que, bem, ele vai morrer.
É uma história bem básica de cavalaria, e o filme segue o script à risca. Um desafio para que o cavaleiro possa se provar e vários testes no meio do caminho para que isso aconteça, um passeio na floresta que é completamente insano e maluco e não respeita as leis do espaço e tempo. Mas é na parte dos dilemas morais, do subtema, que as coisas começam a ficar interessantes. Honra sempre é algo muito importante nessas histórias – é o que faz um cavaleiro ser o que ele é, o que o diferencia dos demais. Mas o que é honra? The Green Knight mantém esse tema como condutor da história, mas com variações e reflexões que são muito mais adequadas aos nossos tempos do que ao século VIII d.c.
Posso afirmar sem medo que as histórias do Rei Arthur são parte da base da cultura ocidental. Elas se transformaram ao longo do tempo de histórias de resistência à dominação de saxões e vikings e sei lá mais quem tentou invadir aquela ilhazinha em histórias sobre dominação colonial, conforme o Império Britânico se expandia e a necessidade de uma identidade nacional e de uma "mitologia" de formação surgia, uma espécie de destino manifesto, se me permitem o uso inadequado dessa expressão, da grandeza inerente àquele conjunto de ilhas que por quase toda a história foi completamente irrelevante e extremamente atrasado em relação a outras regiões do mundo. E, assim, as ideias de honra que vem com atribuídas ao Rei Arthur e seus Cavaleiros da Távola Redonda são espelhos do que essa cultura considera como importante e do que ela espalhou para o mundo, seja na versão "tranquila", do Império Britânico, seja depois de digerida e processada por milhares de puritanos que eram tão insuportáveis que foram expulsos da Grã-Bretanha e acabaram fundando o que hoje é os Estados Unidos.
Gawain, o protagonista de The Green Knight, em geral é tido como o mais virtuoso e o mais honrado de todos os cavaleiros da távola redonda, sobrinho de Arthur, o melhor dentre os melhores. Mas no filme há a escolha interessante de colocá-lo como um homem que nunca se "provou" como honrado, que sente essa necessidade, que nunca abandonou os "vícios" da juventude. E ao começar com um protagonista que, por definição, não tem honra alguma, a nossa jornada não é sobre alguém tentando provar que é honrado, mas sim sobre alguém tentando entender o que significa ser honrado e tentando se tornar aquilo.
Mas a resposta que ele tem não é a que você esperaria de uma história assim.
Homens sem Honra
Tem alguns meses que estou completamente obcecada por Word of Honor, série chinesa inspirada em um livro danmei conhecido como Faraway Wanderers, que conta a história de Zhou Zishu, um homem que depois de servir e cumprir tudo que prometeu ao Imperador, decide se afastar da organização secreta que chefia e viver sua vida como andarilho, na esperança de poder pagar pelo menos alguns dos seus pecados e diminuir seu tempo no inferno. No caminho, ele conhece Wen Kexing, uma figura misteriosa que é o chefe do Vale Fantasma, que está causando um maior auê. Os dois se conectam quase imediatamente – são almas gêmeas, afinal – e acabam acidentalmente adotando um menino e se metendo numa confusão gigantesca com os clãs do mundo das artes marciais para proteger o novo filho BURRO que arrumaram.
Quando você pára e pensa sobre Word of Honor, ele é claramente sobre dois homens que são vilões aos olhos do mundo: Zhou Zishu se virou contra o comando divino do Imperador, deixando-o na mão e desonrando-o; Wen Kexing é o mais inescrupuloso dentre as pessoas inescrupulosas e sem honra que habitam o Vale Fantasma, seu líder, a figura que é poderosa o suficiente para subjugá-los. Em uma cultura fundada em cima do princípio de que a honra e a nobreza de alguém está relacionada às suas virtudes, não resta nenhum dos dois para eles.
E é justamente por isso que a história é interessante: eles podem não seguir os princípios e ter quebrado com as virtudes que os transformariam em homens honrados, mas eles não quebraram os próprios princípios e o que acham que é certo. Zhou Zishu abandona o trabalho com o Imperador pois sua consciência não o permite continuar matando pessoas em nome de um 'mundo melhor' - melhor para quem? Melhor de acordo com o quê? Certamente não das pessoas que foram mortas. Wen Kexing é uma das pessoas que, em nome de um mundo melhor, em nome da honra dos homens que enchem a boca para falar que são o pináculo da virtude, teve sua vida completamente destruída e não houve um deles que estivesse disposto a estender a mão para salvar a criança que ele foi. Então ele cresce e vira um adulto que se recusa a entrar no teatro de hipocrisia que são essas noções, um homem que só tem a vingança pelo que fizeram a ele e à família dele em nome de um mundo melhor.
Não é a toa que são almas gêmeas: os dois entendem melhor do que qualquer outra pessoa na história que honra não vale absolutamente nada. Zhou Zishu a teve por anos, e o que ela lhe trouxe? Nada do que pudesse se orgulhar e lhe tirou tudo que amava. A hipocrisia de quem é visto como honrado é um dos temas recorrentes de Word of Honor e ao colocar o centro da história nas pessoas que estão à margem disso, a história que se desenvolve é magnífica.
Personagens como Wen Kexing são recorrentes na ficção como um todo, e em geral o tratamento dado a eles é "tudo bem que você foi o único sobrevivente de um genocídio, mas querer destruir toda a sociedade e matar quem matou sua família já é demais". Word of Honor reconhece que a raiva de Wen Kexing é legítima, que havia como evitar o que aconteceu; reconhece que se a sociedade deixa que isso aconteça, talvez ela mereça ser destruída. A história permite que os personagens não se guiem pela noção de honra tradicional, além de, é claro, ser uma obra que não está inserida no contexto cristão de 'ofereça a outra face', e isso faz com que a história fique muito mais interessante.
Mas o que é honra?
Vamos voltar a Gawain. As noções de honra de Word of Honor e de The Green Knight são culturalmente diferentes, mas ambas têm em comum o fato de justificarem ações cruéis e de servirem para legitimar o poder e o respeito. O filme The Green Knight não esconde isso e retrata de forma bem crua como a honra que é dada aos cavaleiros é obtida pelo derramamento de sangue -- e é justamente por isso que Gawain, na tentativa de se provar, se sobressai e se oferece para ser quem irá aceitar o desafio do Cavaleiro Verde, e vai para o golpe mais mortal possível. Para ser aceito ali, para ser levado em consideração como alguém respeitável, é necessário obter a honra pela morte. Há toda uma sequência mais para o final que é sobre isso, em essência, que é um momento que acho muito simbólico no tema geral do filme - é sobre Gawain fazendo coisas honradas, destinadas a homens honrados, obtendo o respeito que quer, após ter sido provado como Cavaleiro e percebendo o que aquilo significa.
E acho que aqui é o ponto onde entra a conversa com o ideal de cavalaria ou o ideal de honra da China Antiga: que honra há em matar, dominar e destruir? Mas o que é a honra dos cavaleiros e dos nobres virtuosos, senão isso? Por baixo da ideia de bondade, honestidade, virtude, humildade, respeito filial e coragem que vem associada a ela flui um rio de sangue que precisa ser alimentado repetidamente para se manter o respeito dos pares.
É um conceito intrinsecamente conectado com as nossas ideias de masculinidade. Essa honra violenta, heroica, banhada a sangue é uma das bases das ideias de masculino que temos hoje, tanto que quando se refere a alguém que não é honrado ou digno, fala-se em falta de hombridade. Mas, por definição do dicionário, honra é "princípio de conduta de quem é virtuoso, corajoso, honesto; cujas qualidades são consideradas virtuosas."
Embora seja o tipo de honra mais constante, mais presente em nossas mentes e na ficção, existe outro tipo de honra, um que está completamente dissociado disso. Virtude, coragem, honestidade são todos conceitos maleáveis que adquirem sentidos diferentes ao longo do tempo e conforme a posição que você representa na sociedade. Tanto The Green Knight quanto Word of Honor conseguem, cada um de um jeito, dialogar com formas diferentes em que a honra pode se manifestar e questionar as noções principais. E interessante curioso que essa conversa venha justamente em obras queers, com protagonistas que não necessariamente se adequam ao padrão de masculinidade cis-heterossexual.
Há muita discussão sobre como a parte queer da lenda original do Gawain foi diminuída no filme (o Vic inclusive indicou um texto muito bom sobre o assunto na newsletter passada dele), mas para mim é inegável como ele não se adequa naquela sociedade e nas normas daquele mundo "hipermasculino". E, na minha visão, isso impacta diretamente na motivação e na forma como ele vê essa honra que precisa conquistar.
O que Word of Honor mostra e The Green Knight corrobora, do seu jeito, é que às vezes honra é se recusar a seguir um destino ou o que a sociedade quer que você faça ou seja.
Se você se interessou, Word of Honor está disponível gratuitamente e legalmente no YouTube. Já The Green Knight pode ser assistido pelo meio digital mais tradicional.
Cortar para crescer
Essa semana estou tentando voltar ao meu ritmo normal e me reorganizar. Desde que tirei férias no início desse mês, minha vida saiu completamente do controle!!! Só estou retornando num ritmo minimamente aceitável, e na terceira tentativa de organização, que parece estar funcionando. Qualquer dia desses escrevo uma newsletter só sobre organização e coisas que aprendi desde que descobri que tenho TDAH, mas de início saibam que métodos de organização que funcionam hoje podem parar de funcionar amanhã, então não quero cantar vitória de forma adiantada.
Como disse na NL anterior, estou trabalhando em outra história no mundo de Alquimistas atualmente (se você chegou aqui recentemente, a primeira história está sendo publicada na Noveletter e se chama Tratado sobre Tempestades e Outros Fenômenos Extraordinários) e achei que iria estar bem mais avançada do que estou atualmente, o que não aconteceu. Eu também tive que jogar fora o primeiro capítulo que já tinha escrito porque não estava funcionando, apesar de amá-lo demais.
Uma das coisas que aprendi com o tempo é que, por mais que doa, existem momentos em que é necessário abrir mão de coisas que você gosta muito numa história para que ela dê certo. Seja um capítulo, seja uma linha de enredo, sejam personagens, não importa. Minto para mim mesma dizendo que é difícil descobrir o que preciso cortar, mas não é verdade: é sempre aquela coisa que eu fico dias, semanas, meses tentando arrumar uma forma de encaixar na história porque eu amo muito, mas ou não dá certo, ou inserir aquilo cria um problemão na história como um todo que desvia o foco do que importa. Mesmo que não nunca jogue nada fora de verdade, o movimento de abrir um capítulo novo no Scrivener e jogar o antigo na pasta de "Cortados" dói.
Mas fazer o quê? O show tem que continuar e a história precisa fluir.
Atualizações da Quinzena (de 10 dias)
Essa semana sai o capítulo cinco de Tratado sobre Tempestades e outros Fenômenos Extraordinários e agora começam os capítulos que eu amo. O pessoal do Catarse já vai para o sexto capítulo, que é o que faz todo mundo GRITAR, então ansiosa para ver a reação das pessoas!
Eu não sei o que aconteceu comigo que virei cinéfila esse mês e vi sete filmes, mais da metade do que vi no resto do ano inteiro!
Assisti os três filmes de Fear Street e gostei muito do segundo e do terceiro, um pouco menos do primeiro. Mas recomendo demais, é uma atualização muito interessante de alguns tropes recorrentes do terror e do horror com a vantagem de ser gay.
Eu revi Da Magia à Sedução e percebi o QUANTO esse filme me marcou! Me lembrava de algumas coisas com detalhes, assim. Gosto muito de todos os tropes dessa história - a maldição de família, irmãs completamente diferentes que se amam muito, assassinato!!, magia!!!. E a Nicole Kidman e a Sandra Bullock estão lindas nesse filme.
Eu não li absolutamente NADA como diversão nesses dias, nadica de nada.
A Halsey lançou o álbum novo dela, If I can't have love, I want power, que foi produzido pelo pessoal do Nine Inch Nails e eu AMEI. Amei tanto que eu e a Gih fizemos uma thread de músicas do álbum para os personagens de Tratado!
Acho que é só isso! Nos vemos dia 15/09. Se quiserem alguma listinha de recomendação específica, só responder esse email com sugestão ou falar no twitter!
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